domingo, 19 de outubro de 2008

capital controla a força de trabalho com a ameaça do desemprego, a sociedade controla a sexualidade feminina com a ameaça do estupro. Ana Alice Costa


Trecho da entrevista da Muito (revista do jornal baiano A Tarde) dessa semana com a cientista política e diretora do Núcleo de Estudos Interdisciplinares da Mulher (Neim), Ana Alice Alcântara Costa.

A eleição do vereador Leo Kret (Alecsandro de Souza Santos/PR) embaralha as regras das relações de gênero?
A eleição de Leo Kret cria um problema na Câmara dos Vereadores. Como cientista política, não acho que ele seja tanto um voto de protesto. Havia alguns vereadores que fiquei muito feliz de eles saírem e Leo Kret tomar o lugar deles. São homofóbicos que querem falar da cidade e não conseguem pensar que a cidade tem vários Leo Kret, e que a cidade tem uma diversidade que lá não aparecia. Acho que ele ou ela, é muito difícil a gente saber como vai tratar agora, é um exemplo de se pensar gênero, ou seja, comportamentos deslocados do sexo biológico por construções sociais.

A feminista Andrea Dworking fala que o casamento é uma instituição desenvolvida tendo o estupro como prática. A senhora concorda?
Tem uma teórica feminista, Catharine MacKinnon, que trabalha nesse mesmo campo. Ela utiliza categorias marxistas para fazer uma relação com a opressão das mulheres. Ela diz que, da mesma forma que a exploração do trabalho é o definidor da sociedade capitalista, a exploração da sexualidade feminina é o definidor da opressão das mulheres do patriarcado.

Quer dizer, é modo de produção e de reprodução?
Exatamente. Do mesmo modo que o capital controla essa força de trabalho com a ameaça do desemprego, a sociedade controla a sexualidade feminina com a ameaça do estupro. O estupro, a violência sexual, não é uma coisa distanciada da gente. Nenhuma mulher está imune. A gente vê no jornal: é a menina de 3, 5 anos e a mulher de 80, qualquer uma nós. Tanto a doutora Alice como a dona Maria, doméstica do Calabar, têm medo de sair à noite. O homem tem medo de ser assaltado, de levar um tiro, de levar uma facada. Nós temos medo de ser assaltadas, levar um tiro, levar uma facada e sermos estupradas. Eu não estou dizendo que todo homem é um estuprador em potencial, mas toda mulher é uma vítima de estupro em potencial.

O casamento seria ...
O casamento é isso, a legitimidade disso. Até hoje, a gente não consegue nem levar essa discussão do estupro doméstico ao Congresso Nacional, e que é uma realidade de muitas mulheres casadas.
PS: a ilustração é de Anne Julie http://www.annejulie-art.com/blog/

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