domingo, 20 de abril de 2008

Mais daquilo que não conheço


Blog de Fábio Zanini, (32 anos, jornalista formado pela Escola de Comunicações e Artes da USP e com mestrado em relações internacionais pela School of Oriental and African Studies da Universidade de Londres) para a Folha de São Paulo. O relato de uma viagem de quatro meses de ponta a ponta pelo continente, da Áfica do Sul até a Etiópia (até agora já foram África do Sul, Zimbábue, Zámbia e Gana).
Perguntado por que a África, Zanini responde parafraseando o alpinista britânico George Mallory - sobre o por quê do Himalaia - "'Porque está lá'. A África está lá, com 54 países, milhares de dialetos, petróleo, parques nacionais inigualáveis, ditadores de almanaque (Mugabe, me aguarde), banheiros sem papel higiênico, mosquitos que não ligam para repelentes e a maior diversidade cultural desse planeta".
O link:
Dois dos posts:

19/03/2008
Ainda sobre brancos e negros
BLOEMFONTEIN (ÁFRICA DO SUL) - Eles chegam de manhã para as aulas em grupinhos barulhentos, como em qualquer universidade do mundo. Mas na University of Free State, em Bloemfontein, há uma diferença com este estudantes. São grupinhos de brancos e grupinhos de negros. Na hora do café, há mesinhas de brancos e de negros (veja um exemplo na foto que tirei). Na biblioteca, na sala de computadores etc. etc. Em um dia inteiro no campus, vi apenas duas vezes um branco e um negro conversando. A universidade tem 15 mil negros e 10 mil brancos e é um soco no estômago de quem acha que o legado do apartheid sul-africano está totalmente superado.
Não vi hostilidade mútua, mas um "gelo" difícil de ser quebrado. Claro que há exceções lamentáveis, como a pichação que vi num banheiro: "Ei, pobres negros. Vocês permanecerão explorados para sempre. Essa é nossa universidade."
26/03/2008
A terra das filas sem fim
HARARE (ZIMBÁBUE) – Filas têm vida própria aqui no Zimbábue. Misturam-se, cortam-se, tomam as calçadas do centro comercial da cidade. Há filas para comprar pão, água, para pagar a conta nos supermercados, mas, principalmente, filas enormes na entrada de cada banco.

É a hiperinflação, que gera desabastecimento. Se você tem dinheiro vivo na mão, compra hoje mesmo, porque amanhã já vale bem menos. Da mesma forma, você não guarda dinheiro em casa. Tem que ir todo dia tirar do caixa eletrônico, já que a economia toda é na base do cash.
Ontem contei oito filas num mesmo quarteirão. Decidi pegar a do Stanbic Bank, para ver como é. As filas daqui têm suas regras e sua ética. Primeiro, ninguém reclama. Não tem “olha a frente!”, “anda!”, “ai que saco”. As pessoas ficam em silêncio, olhar perdido, lendo seu jornal, teclando no celular. Sabem que não adianta. Mas também ninguém fura a fila. E não adianta aparecer com criança de colo. Vai ter que esperar do mesmo jeito.

Cheguei às 11h40 e confesso que fraquejei _peguei uma fila com sombra. A 50 metros, o pessoal da fila do Beverly Building Society estava bem pior, com sol direto na moleira. Mães protegiam os rostos de seus filhos com bolsas e jornal. Privilegiados usavam sombrinha.

Na minha fila, atrás de mim, estava Giros, funcionário de uma ONG. Ao ver um branco na fila, perguntou de onde eu era. Respondi com meu “quebra-gelo” favorito: “I’m from Brazil”, e o papo engatou.

Vinte minutos e tínhamos andado dez passos. Faltava muito ainda. “As máquinas só deixam sacar 500 milhões de dólares por dia. Não dá para nada. Então tem que vir todo dia”, explicou ele. São meros 20 dólares norte-americanos.

12h15 e Giros recebe uma ligação. Um amigo seu conseguiu sacar em outro local e iria emprestar um pouco a ele. Ele se despede e sai, aliviado. Eu decido que minha experiência acabou e vou procurar a fila da água gelada.

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